Tentação é uma daquelas expressões que parecem inventadas para baralharem uma pessoa. É uma palavra agridoce, tão sedutora quanto repulsiva, talhada para definir na perfeição os verdadeiros contornos da controversa natureza humana.
A coisa é tão séria que até lhe associam termos como demoníaca, deixando ainda mais clara a relação de amor-ódio que se estabelece com o conceito por detrás de uma palavra à qual reagimos em função do que está em causa.
A tentação, embora usualmente conotada com a vertente sexual (vai tudo lá parar, eu sei), pode aplicar-se a coisas tão simples como uma peça cara de vestuário ou uma travessa bem aviada de cozido à portuguesa. Só depende do castigo inerente ao apetite que os estímulos externos nos despertam e das repercussões que conhecemos de antemão, sendo este o requinte de crueldade do termo em apreço.
Ou seja, até se arregalam os olhinhos perante determinado objecto da cobiça mas por outro lado temos a consciência do cariz proibido do respectivo (usu)fruto e antecipamos em simultâneo o prazer e a punição subsequente. Soa cruel, também sei.... Estas dicotomias acabam por ser um espelho fiel da luta interior permanente que todos enfrentamos ao longo da existência, divididos entre o que ambicionamos e aquilo de que podemos usufruir e em permanente conflito com os tais apetites que podem colidir com aquilo que entendemos ou nos impingiram ser o melhor para nós.
Tudo depende das circunstâncias e da personalidade de cada um/a. O desfecho acaba por ser determinado por um conjunto de factores que são pesados numa balança imaginária, o deve e o haver que nos obrigamos a avaliar perante o que identificamos como uma tentação.
À partida, a moral vigente acaba por criar uma desvantagem flagrante a qualquer tipo de coisa (ou pessoa) que nos tente: resistir à tentação é supostamente uma prova de força de carácter e alinhar no apelo irresistível é apelidado de cedência. Ou seja, à certeza de um castigo directo qualquer, dependendo do que estiver em causa, ainda lhe juntamos o pecado inerente e a conotação pejorativa com o que se entende por uma fraqueza.
A forma de estarmos na vida acaba por ser em boa medida desenhada nos contornos da nossa atitude perante as tentações que nos confrontam, tanto no facto de nelas (nelas, tentações) mergulharmos ou não como na nossa reacção às (por regra) inevitáveis consequências.
Quem não cede a tentações é visto pela sociedade como santo/a e exemplo a seguir enquanto as pessoas normais têm que se contentar com determinado degrau numa bizarra hierarquia cuja importância se mede facilmente pela quantidade de tentações que se abraçam às escondidas. Sim, a maioria das tentações só têm más repercussões quando temos que assumi-las perante os outros.
Mesmo aqueles de nós que vivemos bem com o desgosto de ver ameaçado um condomínio privado no céu acabamos por ter que lidar com as exigências de quem nos é próximo, com as normas da sua própria perspectiva acerca da santidade (ou da capacidade de resistência) que todos ou quase nos sentimos no direito de exigir aos outros.
E ainda temos que lidar com as repercussões em nós mesmos, nomeadamente o assumir de uma fraqueza.
E afinal essa debilidade, bem vistas as coisas e na perspectiva da felicidade terrena enquanto podemos gozá-la, às tantas é uma força...
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