Conto baseado em fatos reais gamedesireanos ahahahahahahha
Eram dois senhores, dois velhinhos.
Não estavam com o pé na cova, mas o dedão já se aproximava perigosamente da beirada.
Um tinha cabelos branquinhos; o outro, uma careca luzidia.
Eram contistas – quase ignorados pela crítica mainstream, mas de relativo sucesso nas redes sociais em que postavam seus textos.
Moravam em estados diferentes e um nunca tinha ouvido falar no outro.
O pior é que eram xarás, um se chamava André, e o outro, André Luiz.
Como se não bastasse o mesmo nome, os deuses, com seu humor perverso, fizeram um deles ingressar em um grupo literário a que o outro já pertencia.
“ Ei, outro contista ? ”, pensaram ambos.
E foram conferir, cachorros que se cheiram mutuamente, rosnando, antes de partir para as dentadas.
- O fidaputa escreve sem parar, em seu primeiro dia aqui postou três contos! – disse um deles a si mesmo.
- O fidaputa até que escreve mais ou menos bem – disse o outro a si mesmo, com uma generosa dose de inveja.
Ambos tomaram a única decisão possível nas circunstâncias: ignorar-se mutuamente.
Claro que liam o que o rival postava, era preciso, mas nunca, jamais, em tempo algum deram uma curtida, fizeram um só comentário, nem contra, muito menos a favor.
Claro que não eram amigos nas redes sociais, um só conhecia os cornos do outro pelas postagens.
E prosseguiram em sua mala dicha no grupo, enquanto o ciúme, o monstro dos olhos verdes, tomava conta de seus corações.
Certo dia, um deles leu sobre o lançamento de um livro do rival.
Seria em sua cidade, em uma livraria perto de sua casa.
Decidiu comparecer.
Pegou sua bengala (andava com certa dificuldade, e bem que ela poderia ajudá-lo a ensinar uma coisinha ou duas àquele fidaputa) e, 15 minutos depois da hora marcada para o lançamento, entrou na livraria.
Havia pouca gente.
“Fracasso total”, exagerou.
Viu o outro contista em uma roda, também apoiado em uma bengala, feliz como pinto no lixo.
“Vou tirar o sorriso da cara de idiota dele a bengaladas”, decidiu.
Aproximou-se
- Você é o contista...
Não terminou a frase, cortado pelo outro.
- Sou sim, contista fidaputa
– E desferiu no rival uma bengalada.
O outro respondeu à altura.
Diante da chuva de pancadas recíprocas, o dono da livraria chamou a polícia.
Cobertos de equimoses, os dois velhinhos foram levados à delegacia.
E aí surgiu um problema: que dizer à autoridade?
Ridículo mencionar rivalidade literária.
Duelo por honra ferida, no melhor estilo do século XIX, pior ainda.
Ciúme dos textos do outro, então, nem pensar.
Tratava-se, na verdade, de rabujice de velho, mas nenhum deles admitiria isso.
Afinal, depois de hesitar muito, um deles falou:- Nunca vi ele [pura verdade].
Se aproximou com a bengala, achei que ia me atacar [verdade parcial].
- Achei que ele era um salafrário que me prejudicou nos negócios, cara de um focinho do outro... [mentira deslavada].
- Os senhores estão velhos, deviam estar em casa brincando com os netos, não trocando bengaladas – disse o delegado.
– Ora, saiam daqui, tenho mais que fazer!
Os dois saíram carrancudos, em silêncio, apoiados em suas bengalas.
Um não olhou para o outro.
Seguiram pela rua em direções opostas.
O arranca-rabo literário prosseguiu no grupo, mas agora, sem bengaladas físicas ou metafóricas, envolto em uma nuvem de silencioso menosprezo.
CarlWeiss
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" Mais que ontem , menos que amanha "