Ele vivia angustiado com a carga de um desejo permanente que não podia satisfazer. Desejava aquela mulher, sonhava-a acordado e a dormir mas passava a vida a fingir precisamente o contrário. Porque ela era casada, e era filha de gente abastada, pessoa muito importante a quem jamais arriscaria manchar a reputação.
O quanto a queria tentava sempre disfarçar, por
muito que mal conseguisse reprimir o abraço apertado de cada vez que se
cruzavam e lhe estendia a mão para a cumprimentar.
Passava horas a olhar no infinito o rosto e o
resto da sua tentação adolescente transportada sem abrandamento até aos seus
dias encarquilhados de ancião.
Ela sofria em silêncio a saudade insistente que
a dominava quando o percebia ausente em qualquer um dos seus dias. Era dele a
cara que imaginava quando ao marido se entregava picando o ponto de uma pálida
relação. Olhos fechados na escuridão que exigia nas poucas vezes que o seu
amante legítimo insistia na cobrança do seu quinhão matrimonial de prazer. Não
a via como mulher mas apenas como uma fêmea disponível, obrigada a cumprir.
E ela consentia por saber que jamais ousaria
vestir a terrível pele de qualquer uma infiel das que ouvia criticar e não
duvidava do ostracismo a que um divórcio a iria condenar junto do seu meio
social.
Passava horas a chorar o desgosto e definhava-lhe
aos poucos a alma enquanto envelhecia privada da pele mais desejada que algum
dia tocara na sua mão.
Entretanto já morreram os dois.