Tenho saudades do tempo em que tudo acontecia, como que por magia, quando tinha mesmo que ser. Obstáculos e contrariedades ultrapassados, reduzidos a pó, sempre que se tornava necessário, indispensável, um milagre a acontecer. Só quando somos muito jovens ou, depois de adultos, muito apaixonados conseguimos mover montanhas. Ou pelo menos assim parece, quando nos confrontamos com os sinais da resignação dos outros e da nossa também, quando nos apercebemos que a partir de certa altura já nem lutamos contra aquilo que nos possa limitar de alguma forma a felicidade que achamos sempre merecida. Passamos pela vida mas ela passa-nos por cima, cilindra aos poucos a resistência, o entusiasmo, a ousadia até.
E assim acabamos por perceber o que é afinal isso de envelhecer, de perdermos a combatividade de outrora, a força da paixão pelas coisas, pelos momentos, pelas pessoas, diminuída ao ponto de já nem sentirmos que vale a pena protestar mas apenas aceitar como factos consumados os azares ou as trocas de voltas que antes atacávamos com o desespero de quem não abdica das oportunidades tão raras de ser feliz com algo ou alguém.
O pior é isto suceder quando somos jovens, aí então penso: o que leva os mais jovens a poderem tomar ou ter atitudes que alguns mais velhos têm? Envelhecem cedo de mais?
Baixamos os braços, ainda que o reneguemos com meia dúzia de exemplos gastos pelo tempo até darmos conta de que abraçamos sem hesitar os pretextos que nos permitam sentar o rabo na preguiça e no conformismo que nos defendem das reacções de quem já nem tenta disfarçar a perda do brilho no olhar ou das consequências de insistirmos na crença de que é sempre possível ir mais além seja no que for, contra ventos e marés.
Muitas vezes esse baixar de braços acaba por ser um acto reflexo, transmitido por algo ou alguém externo a quem dedicamos tempo, paciência, alegria, felicidade e amor. Quando algo falha, tudo desaba. Sobrevém o desânimo e o baixar de braços.
Metemos as mãos pelos pés nas tentativas atabalhoadas de explicações alternativas para o fenómeno porque queremos adiar a resignação. Mas acabamos por seguir adiante, com um encolher de ombros ou o engolir em seco que traduzem precisamente a aceitação passiva que afinal escolhemos para nos poupar e aos outros à batalha permanente por coisas que tínhamos como garantidas mas o tempo se encarrega de desmentir, depois de acabar de demolir quaisquer veleidades que a coragem ou a vontade ou outra cena pudessem, noutro tempo, alimentar.
Sim, acabamos por desistir.
E quando o percebemos, quando o sentimos na pele, por norma é quase sempre tarde demais.
Não o quero para mim na verdade, não quero desistir, não quero baixar os braços. Parece uma contradição após o que escrevi, mas ao chegar aqui, apercebo-me que ainda tenho mais 340 anos à minha frente