As pessoas povoam a nossa vida como os malmequeres crescem nos campos. Algumas passam e não reparamos nelas. Outras destacam-se por qualquer motivo. Várias se tornam amigas. Raramente, uma ou duas pessoas se tornam as melhores amigas.
O melhor amigo como os simples amigos tem afinidades connosco, tem gostos em comum, tem qualidades e defeitos mútuos, ri-se e chora connosco, ouve-nos nos dias maus e conta-nos o que lhe apetecer, liga-nos sempre que pode e atende-nos sempre que pode, mas a diferença entre o simples e o melhor está aqui: sabemos que onde quer que se encontre, a que fuso horário estiver, a fazer o que calhar, podemos contar com ele. Sabemos que conhece o melhor de nós, mas que também conhece o pior, e mesmo assim não desiste de nós…
O amigo novo é mais fácil de guardar porque podemos esconder-lhe os dias negros da nossa existência e apenas mostrar o que temos de bom. Podemos criar uma espécie de super eu para o amigo novo, como se fossemos um livro ao qual arrancámos as páginas do passado e mostramos apenas as páginas novas que queremos ser no futuro. Passamos a ser um livro estranho, com uma lombada mole, com folhas que se podem soltar porque estão descosidas do seu próprio passado. Um dia, as folhas arrancadas podem ser encontradas por acaso pelo amigo novo… Será que o conseguiremos manter quando descobrir que omitimos uma grande parte de nós? Talvez sim, talvez não…
Os raros melhores amigos com os quais temos o privilégio de partilhar a nossa vida são demasiado preciosos para podermos ser ingratos com eles, para os negligenciarmos, para os pormos de parte e o que mais quero na vida é que isso nunca me aconteça. Deus queira que eu saiba sempre estimar os meus raros melhores amigos…
Dissertando, analisando e questionando:
Ao escrever este texto, com sinceridade e dedicação, pois é assim que vejo as amizades, os amigos e os laços que vamos criando ao longo da vida reconhecendo no entanto que seria insensato pensar que a amizade é um sentimento sentido por todos, da mesma forma. O ser humano relaciona-se com os outros através da sua própria percepção, filtrando o mundo através da sua grelha de saberes, experiências e vivências anteriores, podendo até ter a veleidade de afirmar sem receio de equivocar-me que numa amizade se criam laços. O que é um laço? Talvez um nó que se desfaz mais facilmente? Talvez por isso na amizade, se criem laços entre as pessoas e não nós. Um laço desata se não for apertado com cuidado. Na amizade, um laço que não é reforçado acaba por separar duas fitas que estavam unidas por experiências em comum, gostos, afinidades e passados que se viveram em conjunto. E depois, que fazer quando o laço se desfaz? Não sei… Tentar novo vínculo? Fazer o luto de alguém que partilhou a sua vida connosco e agora já não está disponível efectiva e afectivamente? Não sei… Mesmo assim prefiro criar laços temporários a nós obrigatórios. Só quem tem a liberdade de se afastar é que pode regressar um dia…
Um amigo não é perfeito, mas também se idealiza. Um amigo está disponível, mas também ausente, tem gostos comuns, mas também prima pela diferença, é como um espelho, mas também fica baço por vezes, é uma porta escancarada, mas também com janelas abertas. Um amigo é eterno, mas também mortal…
Assim sendo, as amizades deveriam ser ouro sobre azul, flores em deserto, estrelas em céu cinzento. Pois deveriam, mas nem sempre são, porque as amizades nem sempre são recíprocas, porque nem sempre investem a mesma energia na relação para que funcione, porque se criam expectativas que não são cumpridas…
A amizade é como uma estrada com dois sentidos: eu estou numa ponta e tu estás na outra e a amizade torna-se possível se percorremos a distância que nos separa. Se for sempre eu a caminhar numa estrada de sentido único, não existe amizade. Não vale a pena então despender tanta energia, mais vale acabar com essa estrada e mudar de direcção, encontrar outras estradas mais férteis.
Podemos deixar a amizade esmorecer aos poucos como uma planta que se deixa de regar e que vai definhando até morrer ou podemos simplesmente acabar com ela, como quem se divorcia mas sem processo em tribunal, porque as amizades moribundas também fazem sofrer quem mais investiu e não ganhou nada em troca. Uma amizade perdida é também perder um pouco de nós porque investimos muito de nós numa construção a dois.
O sofrimento de uma amizade que se esfumou com o tempo tem a sua razão de ser, para aprendermos a ter cuidado uma próxima vez, para descobrirmos dentro de nós por que precisamos assim tanto de alguém que não nos quer, para olharmos em volta e darmos uma oportunidade a quem quer realmente ser nosso amigo e nunca reparamos…
Posto isto, vem a questão: Como classificar a atitude de afastar um amigo, porque outro assim impõe? é correcto esse procedimento?
Da minha parte, sou e vou continuar a ser o mesmo acma, o amigo de todas as horas, e de todos os amigo(a)s com quem privo mais assiduamente. Não pode ser de outra forma, para mim não existem amigos de primeira ou de segunda, amigos brancos ou pretos, EXISTEM AMIGOS.