SENTIR O AMOR MOMENTO DECISIVO
E tu não sentes... nem podes ;
Para que os olhos vejam tanto,
E, sob indiferente manto,
Descubram violento amor,
Não, não basta olhar somente;
O que o peito não pressente,
Só quando fora rebente
Pode aos olhos ter valor...
E o teu coração... outrora
Esperei que me entendesse;
Julguei que nunca esquecesse
O que na infância nasceu,
E com os olhos no futuro
Caminhei firme e seguro,
E nunca este culto puro
No peito me adormeceu
Mas tu... Essa flor singela
Da afeição que nos unia
Se definhava e morria
Desde que outra flor surgiu;
Teus sorrisos, teus segredos,
Passam, como nos olmedos,
A folha que ao chão caiu.
E por isso as esqueceste;
Eu não; que então já no seio
Ocultava com receio
Mais do que infantil amor.
Quando, só, em ti pensava,
E só contigo me achava,
Não te lembras? já corava,
Nem para mais tinha valor.
Cresci, e esta idéia sempre
Afagava na lembrança;
Sempre, sempre esta esperança,
Sempre, sempre esta ilusão!
Ilusão, sim, era apenas;
Todas as passadas cenas
E recordações amenas
Riscou-tas nova paixão.
Foi uma noite.
Esta idéia ainda a conservo bem viva,
Cada dia mais se aviva
Para mais me fazer sentir;
Desde então já não me iludo,
Foi uma noite; vi tudo,
E fiquei gelado, mudo,
Sem esperanças, sem porvir
Um outro estranho, que importa?
Falava-te com meiguice
E às palavras que te disse
Tu sorriste e ele sorriu,
E, desumana, não vias
Que o amigo de outros dias,
De cada vez que sorrias,
Cruéis angústias sentiu!