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registro: 14-02-2009
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Último jogo

Entrevista - Renato Russo - Andrea Doria

Leoni - Fiquei meio angustiado quando comecei a ouvir os discos porque às vezes não captava qual era o tema da letra. Eu achava que devia estar deixando escapar alguma coisa. Aí fiquei pensando em confessar a minha ignorância e perguntar. Andrea Doria, por exemplo...

Renato - Ah, essa eu sei. Andrea Doria é a mesma coisa de Será: (com uma voz empostada) um jovem que quer mudar o mundo e que está tudo horrível. Uma coisa que a Legião sempre tem, uma menina da MTV colocou isso muito bem: parece muito um livro chamado Os Meninos da Rua Paulo. Se lembra do Nemetcheque? Era um menino todo bonzinho, queria fazer tudo direito e sempre tomava na cabeça. Ele acaba morrendo de pneumonia, parece. Seria um personagem como ele que estaria cantando essas músicas. É um jovem que acredita na virtude, em fazer as coisas corretamente, de acordo com as regras e fica batendo contra a parede porque esse mundo não funciona.

Andrea Doria coloca bem isso, a questão da juventude, ter sonhos, fazer planos e esbarrar neste mundo de hipocrisia, de mentira, do capitalismo, de consumismo e a gente fica sem saber o que fazer. Andrea Doria é um navio mesmo. A idéia era fazer uma imagem meio E La Nave Va 1 e coisas que talvez eu nunca me lembre porque entraram na letra. Na hora de escolher o título da música fizemos um monte de mitologias para a coisa ficar legal. Eu me lembro que Andrea Doria é um navio que afundou, a idéia era para ser: naufrágio. E no caso Andrea Doria é uma menina. O que ligou a música toda foi uma conversa que eu tive com a Luciana, mãe do Bi 2, e com a Tetê 3, no Crepúsculo de Cubatão 4. As duas estavam reclamando da vida ser muito difícil e a Tetê estava meio deprimida. Fiquei pensando: "Que coisa chata". Porque eram coisas que eu sentia também. Nem sempre adianta ser bom, ser honesto.

Peguei essa situação inicial e fiz a música que é um diálogo entre uma menina que era cheia de vida, alegria e planos e que sempre me deu força e que nesse instante é quem está derrubada. Aí então sou eu falando para ela. Tem coisas que fala para mim e tem coisas que falo para ela: "Às vezes parecia que de tanto acreditar em tudo que achávamos tão certo/ Teríamos o mundo inteiro e até um pouco mais". É aquela coisa dos planos, o mundo está horrível mas nós vamos conseguir, vamos juntos etc. Aí no meio do caminho: "Mas percebo agora que o seu sorriso vem diferente/ Quase parecendo te ferir". Quando você entra no mundo adulto se não tomar cuidado deixa entrar o cinismo, fica "jaded" 5.

E a música é uma conversa em cima disso: "Olha, realmente a coisa é difícil, mas não é por aí". Termina justamente falando: "A gente tem toda a sorte do mundo", sem especificar, que bem ou mal a gente não é favelado, não morre de fome. "Sei que tenho sorte, como sei que tens também". Uma das grandes temáticas das letras é exatamente essa, só que são sempre pequenas situações, colocadas de um certo jeito que a pessoa interpreta de outra maneira. Sempre tem uma historinha, uma mitologia.

Extraído de: Letra, Música e Outras Conversas - Leoni - Editora Gryphus, 1a. edição, pp. 66-67.


1 Filme de Federico Fellini passado em um transatlântico.
2 Bi Ribeiro, baixista dos Paralamas do Sucesso.
3 Tetê Tillet, amiga de Herbert Vianna, co-autora de "Tendo a Lua".
4 Antiga boate dark do Rio de Janeiro.
5 Cansado.

Letra da Musica

http://letras.terra.com.br/legiao-urbana/46928/

Video da Musica

https://www.youtube.com/watch?v=oHwwsQTSX74