MÁS COMPANHIAS
Desde pequeno ouço falar das más companhias. São o terror de qualquer progenitor, embora sejam perfeitas para justificar comportamentos menos correctos, para desculpabilizar as crianças que, devidamente acopladas a um bode expiatório, ficam como vítimas de más influências e parecem menos mal.
As más companhias são como o diabinho que disputa com o anjinho a nossa consciência em sentido figurado. São muitas vezes o pretexto para fazermos algo que sozinhos talvez não nos propuséssemos fazer, mesmo quando a vontade é tão irreprimível que basta aquele empurrãozinho para nos predispormos a pecar. E se for na companhia de outrem, fica sempre à mão a má companhia para serenar o espírito quanto ao mau fundo que revelamos em determinadas ocasiões.
Mas as más companhias têm, como tudo o que nos facilita o acesso às coisas boas mas proibidas (nem que apenas psicologicamente e não de facto), um reverso da medalha. Muitas vezes servem de testemunha das nossas travessuras e depois dão com a língua nos dentes e entalam-nos. Não podemos queixar-nos, claro, pois más companhias são exactamente aquilo que a designação pressupõe.
É que nunca se sabe o que o futuro nos reserva em matéria de vínculo a esses figurantes de circunstância e depois zangam-se as comadres e fica o caldo entornado, fica exposto o pecado e não há saída possível senão assumir as culpas no cartório de forma humilde e digna ou de forma arrogante e falaciosa. E se a versão humilde acaba por resolver qualquer imbróglio com simples reconhecimento da asneira e subsequente pedido de desculpa a quem se magoou ou traiu no pressuposto da confiança, a outra opção ainda enterra mais a pessoa no lodaçal das fugas em frente que só garantem tropeções e quedas aparatosas.
As más companhias, que saem sempre ilesas das caldeiradas porque se escudam por detrás da pessoa acompanhada que acaba por ficar com o bebé ao colo, são por norma pessoas espertas, manipuladoras e desleais. Arrastam os outros como quem não quer a coisa até à beira de um precipício qualquer e depois deixam-se ficar a observar o resultado da aventura, divertem-se até com os riscos corridos pelos outros que desencaminham e sentem a euforia do poder perante a sua capacidade para os tentar.
Saem sempre ganhadoras, essas pessoas falsas no discurso e impunes nas consequências. Na pior hipótese servem de má companhia, de referência para alguém que precise de encontrar uma explicação para os actos surrealistas que mesmo as pessoas que nos sejam muito próximas são capazes de protagonizar.
Por isso se multiplicam, contagiando presas fáceis que se tornam por sua vez (e depois de se perceberem iguais a quem as desencaminha, enquanto suas cúmplices) más companhias para outro incauto qualquer, abertos os precedentes. E destacam-se da multidão devido a um fenómeno fácil de constatar: as más companhias, sempre prontas a substituírem quem manipulam a seu bel prazer, são no entanto exactamente como os criminosos e voltam sempre ao local do crime.
O que na maioria dos casos equivale a repetirem as graçolas com outra carne para canhão que lhes ocupe de forma transitória as vidas cheias de piada.